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Francisco, o papa da transição


Vaticano (AE) - Nem Angelo Scola, nem Odilo Scherer. O Vaticano escolheu ontem como papa o argentino Jorge Bergoglio, um nome que não fazia parte de nenhum site de apostas, não era comentado por vaticanistas e sequer era tema de reuniões secretas de cardeais. Mas, segundo a reportagem apurou, foi o nome que conseguiu, durante a eleição, romper o confronto e o impasse criado entre dois grupos que haviam se estabelecido nos últimos dias e que se enfrentavam abertamente. "Metade dos cardeais entrou no conclave sem um nome definitivo a quem dariam seu voto", disse o vaticanista Marco Politi. "A grande questão era como esse grupo reagiria e agora descobrimos que eles optaram por uma terceira via."
Gregorio Borgia/APDesejo que esse caminho de Igreja, que hoje começamos, seja frutuoso para a evangelização dessa tão bela cidade - FranciscoDesejo que esse caminho de Igreja, que hoje começamos, seja frutuoso para a evangelização dessa tão bela cidade - Francisco

Nos dias que precederam o conclave, houve uma polarização do debate. De um lado, o brasileiro d. Odilo Scherer era o nome da Cúria, mais conservador, apoiado por quem estava no poder. De outro, o italiano Angelo Scola se apresentava como o nome da oposição. O choque frontal entre os grupos, porém, com acusações de vazamento de informações à imprensa e cobranças sobre a gestão do Banco do Vaticano teria criado uma sensação entre os cardeais de que nenhum dos dois grupos conseguiria um consenso.
Andrew MedichiniNovo papa dos católicos foi escolhido no segundo dia do conclaveNovo papa dos católicos foi escolhido no segundo dia do conclave

Tanto Scola como Scherer começaram a votação com força. A certeza de uma vitória de Scola era tanta que, logo após o anúncio do Habemus papam, a Conferência Episcopal Italiana emitiu um comunicado sobre a "notícia da eleição do cardeal Angelo Scola como sucessor de Pedro".
AEFumaça branca anunciando escolha do papa sai no meio da tardeFumaça branca anunciando escolha do papa sai no meio da tarde

Ao longo das votações secretas na Capela Sistina, porém, a realidade é que nenhum dos dois conseguia avançar no sentido de garantir os 77 votos necessários para ser eleito papa. Cardeais saíram em busca de alternativas e, apesar de estar fora da idade que se havia declarado como ideal (preferencialmente mais jovem, para evitar um papado muito breve), Bergoglio começou a coletar votos dos outros cardeais que também estavam descontentes com a Cúria, mas não estavam inclinados a apoiar Scola.
Photographic ServiceMilhares de pessoas compareceram à Praça de São PedroMilhares de pessoas compareceram à Praça de São Pedro

Com 76 anos, perfil de pastor e caráter de simplicidade, Bergoglio acabou sendo privilegiado. Muitos, porém, deixaram o Vaticano ontem com a impressão de que este foi o "papa possível" de ser eleito, e não necessariamente o "papa ideal". Dada a idade avançada de Bergoglio, é possível que seu papado se caracterize como mais um período de transição na Santa Sé - algo que se acreditava ter terminado com a renúncia de Bento XVI.

Francisco, um jesuíta no Vaticano

Ariel Palacios - Agência Estado

Buenos Aires - "Low profile", "calado", "sóbrio" e "frugal" são alguns dos adjetivos usados por seus mais fiéis colaboradores. Seus inimigos, no entanto, preferem defini-lo como "calculista", "frio", "traiçoeiro" e "autoritário". Mas, para a maioria dos argentinos, o cardeal Jorge Mario Bergoglio é simplesmente um mistério. No entanto, em 2005 ele saiu do semi-anonimato para virar um dos homens mais comentados do país, já que o arcebispo portenho passou a ser um dos papáveis da América Latina. Mas, na ocasião o cardeal portenho ficou em segundo lugar, com 40 votos, sendo superado por Joseph Ratzinger, que foi entronizado Bento XVI.

Nos últimos anos, antes de deixar de ser primaz da Argentina, Bergoglio sofreu um duro revés político quando o Parlamento argentino aprovou um projeto de lei do Partido Socialista (mas respaldado pelo governo da peronista Cristina Kirchner) de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Bergoglio, na véspera da votação, deixou de lado seu estilo sóbrio e desferiu um irritado sermão contra o projeto, que foi aprovado com ampla maioria. Muitos integrantes do clero acharam que esta derrota implicaria na perda de pontos como "papável" em um seguinte conclave.

Nesta quarta-feira, ao ser nomeado Francisco, o papa que vai chefiar a Igreja, Bergoglio, além de se tornar o primeiro latino-americano a ocupar o trono de São Pedro, também quebrou a restrição - implícita - de que um jesuíta seja transformado em papa. Desde que foi criada, há quase cinco séculos, a outrora poderosa Companhia de Jesus jamais conseguiu que um representante chegasse a líder da Igreja Católica, principalmente pela oposição de outras congregações que temiam seu crescimento.

Homem afável, mas de poucas - embora certeiras - palavras, o ex-primaz da Argentina sempre fez questão de manter um profundo silêncio sobre sua vida.

Aqueles que o conhecem bem sustentam que só mostra intensa paixão quando fala de Fiodor Dostoievski, seu escritor preferido "É um jesuíta até a medula. Ele fala pouco. Ouve o dobro do que fala. E pensa o triplo do que ouve", afirmou ao Grupo Estado em 2005 um ex-embaixador argentino em Roma, que completa dizendo que jamais desejaria ter Bergoglio como inimigo. Com ironia, explica: "Quem vive, como Bergoglio, só à base de frango cozido e verduras, só pode ser um cara perigoso."

Filho de imigrantes italianos (seu pai era ferroviário e sua mãe, dona de casa), o cardeal nasceu no dia 17 de dezembro de 1936 no bairro de classe média de Flores, em Buenos Aires. Desde criança, foi torcedor fanático do time de San Lorenzo, fundado por um padre no início do século. Mas nunca pôde aspirar a jogar futebol além da praça do bairro. Seu físico, quando adolescente, era franzino. Aos 20 anos, passou por uma grave operação para a retirada de um de seus pulmões.

Após se formar como técnico químico e encerrar o namoro com uma vizinha, Bergoglio entrou para a Companhia de Jesus, ordem caracterizada por sua obediência e disciplina ascética que historiadores preferem definir como militar.

Ordenado sacerdote aos 33 anos, aos 36 já era o comandante dos jesuítas na Argentina. Nos anos que se seguiram - as décadas de 1970 e 1980 -, paira uma nuvem nebulosa sobre a vida de Bergoglio. O jornalista investigativo argentino Horacio Verbitsky sustenta que ele colaborou ativamente com a última ditadura (1976-83), delatando os jovens sacerdotes, que foram sequestrados pelos militares.

Nos anos 80, Bergoglio migrou ao setor mais conservador da Companhia de Jesus e passou por um obscuro ostracismo na Alemanha. Ao voltar à Argentina, foi posto em cargos de baixa importância. Esse período só terminou quando, em 1992, o poderoso cardeal Antonio Quarracino o convocou para ser seu bispo auxiliar em Buenos Aires. "É um jesuíta sereno e preciso. Ele tem uma capacidade e uma velocidade mental fora do comum", comentou.

O salto internacional de Bergoglio ocorreu em 2001, quando ocupou o posto de relator-geral do Sínodo dos Bispos em Roma. Bergoglio é idolatrado pelo clero jovem e, até poucos anos atrás, só se deslocava pela cidade em metrô ou ônibus. Seus admiradores afirmam que o fazia "para estar perto do povo". Os críticos sustentam que era "puro populismo".

Os parlamentares da esquerda, que se confrontaram com frequência com Bergoglio por questões como a legalização do aborto, o definem como "o pior dos inimigos, porque é um inimigo muito inteligente". No entanto, o cardeal também os desconcerta ao realizar furiosos ataques contra o neoliberalismo.

Esta é a segunda vez que a Argentina conta com um papável. O anterior foi o arcebispo de Mar del Plata, cardeal Eduardo Pironio, morto em 1996, que nos dois conclaves de 1978 despontava como o principal papável sul-americano.

Catedral de Buenos Aires recebe centenas de fiéis

Buenos Aires (AE) - Jorge Mario Bergoglio é considerado um homem sumamente humilde pelos fiéis da Igreja Católica na Argentina. Reunidos na Catedral de Buenos Aires, enquanto choravam de emoção, centenas de fiéis exaltavam as qualidades do novo papa. "Era um homem igual à gente. Sempre humilde e nunca se colocou em uma posição distante do povo", disse Aurora Valentin, que passava pela Praça de Maio quando soube da notícia e decidiu entrar na Catedral. A imprensa também faz plantão em frente à catedral. "É argentino, o Papa é argentino", gritava um grupo.

O ex-porta-voz da Igreja Gustavo Boquín também ressaltava a humildade de Bergoglio, contando que ele usava transporte público, como metrô e ônibus, e caminhava pelos bairros para visitar as paróquias. "É um homem de austeridade e dedicação à vida pastoral", disse Boquín. Ele contou que a rotina de Bergoglio começa às 4h30 da manhã e termina às 21h. Também informou que ele gosta de ler escritores argentinos como Jorge Luis Borges e Leopoldo Marechal e o russo Fiodor Dostoiesvski. O novo papa é fã de ópera e torcedor do time de futebol San Lorenzo de Almagro, o mesmo do ator argentino Viggo Mortensen.
Natacha Pisarenko/APEm 2005, Bergoglio foi um dos mais votados no conclave convocado após a morte do papa João Paulo II, mas terminou sendo superado pelo cardeal Joseph RatzingerEm 2005, Bergoglio foi um dos mais votados no conclave convocado após a morte do papa João Paulo II, mas terminou sendo superado pelo cardeal Joseph Ratzinger

Bergoglio tem a simpatia popular e da oposição argentina. Ele chegou a ser apontado pelo ex-presidente Néstor Kirchner como "o verdadeiro representante da oposição". A relação entre ambos foi muito áspera e a Casa Rosada reclamou publicamente da falta de consideração por parte da Igreja Católica do esforço do governo Kirchner para tirar a Argentina da crise de 2001.
Quando Nestor Kirchner morreu, em outubro de 2010, Bergoglio rezou uma missa em sua homenagem e disse que o país deveria rezar por ele e se abster de todo tipo de posição antagônica diante da morte de um homem ungido pelo povo para conduzi-lo.
Bergoglio e os Kirchners trocaram farpas em várias ocasiões por causa dos níveis de pobreza, durante a conflito da Casa Rosada com o setor agropecuário e o clima de confronto alimentado pela administração pública federal.

Com Cristina, a relação foi suavizada por um tempo. Mas a tensão voltou quando o então cardeal se opôs publicamente às leis defendidas por seu governo para permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o reconhecimento dos direitos de travestis de mudar seus documentos de nascimento.

Homenagem a Bento XVI

Vaticano (AE) - Foi uma surpresa geral. Os fiéis que lotavam a Praça São Pedro, entre os quais centenas de padres e freiras, precisaram de alguns minutos para entender o nome do papa eleito, antes de aplaudi-lo. "Eu vos anuncio uma grande alegria: temos papa, o digníssimo senhor Jorge Mario, cardeal Bergoglio, que escolheu o nome de Francisco", comunicou o protodiácono Jean-Louis Tauran, cardeal francês, do balcão central da Basílica de São Pedro. Argentino, Francisco entra para a história da Igreja Católica como o primeiro papa latino-americano. Havia quase 1,3 mil anos que o escolhido era do continente europeu.
Tiziana Fabi/AFP/Estadão conteúdoSob um frio de 8 graus, milhares de pessoas esperaram mais de uma hora pelo anúncio do nome de Jorge Bergoblio, o papa FranciscoSob um frio de 8 graus, milhares de pessoas esperaram mais de uma hora pelo anúncio do nome de Jorge Bergoblio, o papa Francisco

O mundo conheceu o nome cardeal a ocupar o trono de Pedro às 20h12 (16h12 em Brasília), uma hora e sete minutos após a fumaça branca ter saído da chaminé da Capela Sistina, onde o Colégio Cardinalício fez uma votação na terça-feira e quatro nesta quarta-feira. Mais de 50 mil pessoas acompanharam o anúncio na Praça São Pedro, apesar da chuva que caiu ao longo de todo o dia e de uma temperatura em torno dos 8°C.

Em sua primeira mensagem aos fiéis, após aparecer na sacada da basílica, Francisco agradeceu aos fiéis e afirmou que gostaria de fazer uma oração a Bento XVI, a quem chamou de "nosso bispo emérito". Nesta quinta-feira, Francisco visitará Bento XVI, em Castel Gandolfo. A seguir, a íntegra de mensagem:

"Irmãos e Irmãs, boa noite. Vocês sabem que o dever do conclave era de dar um bispo a Roma. Parece que meus irmãos cardeais foram buscá-lo quase no fim do mundo. Mas, estamos aqui. Agradeço-vos pela acolhida - à comunidade diocesana, ao seu bispo. Obrigado. Antes de tudo, gostaria de fazer uma oração pelo nosso papa emérito, Bento XVI. Rezemos todos juntos por ele, para que Deus o abençoe e Nossa Senhora o proteja." (Oração do Pai Nosso, da Ave Maria e do Glória ao Pai.)

"E agora comecemos esse caminho bispo e povo, bispo e povo. Esse é o caminho da Igreja de Roma, que é aquela que precede na caridade a todas as outras Igrejas. Um caminho de fraternidade, de amor, de confiança entre nós. Rezemos sempre por nós, um pelo outro, rezemos por todo o mundo, para que exista uma grande fraternidade. Desejo que esse caminho de Igreja, que hoje começamos e ajudará a mim e ao meu cardeal vigário aqui presente, seja frutuoso para a evangelização dessa tão bela cidade. E agora gostaria de dar uma bênção, mas antes vos peço um favor. Antes de o bispo abençoar o povo vos peço que vocês rezem ao Senhor para que me abençoe. A oração do povo pedindo a bênção pelo seu bispo. Façamos em silêncio essa oração de vocês por mim".

 

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