Sem acordo com o governo, Câmara aprova execução obrigatória das emendas

Depois de um dia inteiro de reuniões, idas e vindas, e tentativas malsucedidas de costura de um acordo com o Palácio do Planalto, a Câmara, sob o comando do PMDB, aprovou em primeiro turno hoje a proposta que torna obrigação constitucional a execução de obras e investimentos indicados ao Orçamento por deputados federais e senadores.
Com 378 votos a favor, 48 contra e 13 abstenções, a votação foi uma derrota do Planalto. O revés poderá ser agravado, ainda na noite de hoje, com a eventual supressão de uma expressão no texto que, na prática, ampliará ainda mais a possibilidade de emendas a serem executadas impositivamente pelo Executivo.
No texto levado ao plenário, a obrigatoriedade de execução de emendas ficaria circunscrita àquelas que se adequassem a programas considerados prioritários pelo Planalto. Com a mudança, cairia essa restrição.
O Planalto, no entanto, confia que, independentemente do formato do texto aprovado hoje, conseguirá uma redação mais palatável política e economicamente no Senado. Por ser uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), o projeto precisa passar por duas votações na Câmara e outras duas votações no Senado.
A votação de hoje foi apenas a primeira na Câmara. A próxima deverá acontecer no fim do mês, para só depois seguir para a apreciação dos senadores, que terão liberdade para alterar todo o texto, caso entendam conveniente. Caso haja qualquer modificação, ele ainda terá de retornar, posteriormente, para ser ratificado na Câmara.
Acordo fracassado
O acordo que vinha sendo costurado essencialmente entre o PMDB, o PT e o Planalto envolvia quebra das regras internas da Câmara dos Deputados. Essa manobras, antirregimentais, poderiam posteriormente ser contestadas na Justiça, com chance quase certa de anulação da decisão.
Portanto, a estratégia precisaria de um apoio claro do governo –o que acabou não acontecendo. Também pesou o receio de que qualquer entidade da sociedade civil judicializasse a decisão, ainda que com o aval político do Planalto à decisão.
O fator que mais emperrou esse acordo foi o percentual de emendas parlamentares para a saúde. Mais cedo, a liderança do PT na Câmara admitiu aceitar a proposta mais próxima do consenso obtida ao longo do dia: 33% dos recursos de emendas parlamentares deveriam ser destinados a investimentos na saúde pública. O governo, no entanto, foi até o fim na intenção de que a fatia para a saúde representasse 50%.
“Abaixo disso não tem acordo”, disse o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), antes de entrar para a última reunião do dia, no gabinete da presidência da Câmara, já por volta das 20h.
Mesmo essa alternativa já era uma postura, por parte do Palácio do Planalto, que partia da avaliação de que a aprovação das emendas impositivas era certa. Portanto, a estratégia foi uma espécie de tentativa de redução de danos.
Pouco antes das 21h, ainda chegaram ao gabinete de Henrique Eduardo Alves, para reforçar o lobby do Planalto e a ausência de garantia de que a votação não seria judicializada, os ministros Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Alexandre Padilha (Saúde).
“A negociação poderia ter sido feita no seu tempo devido, e não foi”, disse, já no plenário, o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ). “Poderia [o governo], no âmbito da comissão especial, onde estava representado, ter apresentado emendas destinando recursos para a saúde, mas não fez.”
Cunha, no entanto, afirmou “ter certeza quase absoluta” de que a bancada peemedebista na Câmara apoiará eventuais modificações feitas pelo Senado no ponto relativo aos percentuais de destinação de emendas para a saúde.
Diante da insegurança jurídica de votação de um texto diferente daquele aprovado semana passada na comissão especial criada para analisar a PEC, os partidos aliados decidiram votar o texto original – que passa ainda mais longe, muito longe, do formato considerado razoável pelo governo.
Não há, por exemplo, referência a qualquer percentual para a saúde. Também não deixa margem de manobra para o governo, a partir do terceiro ano de vigência, usar na conta da execução obrigatória os recursos relativos aos chamados “restos a pagar”, ou seja, fazer pagamentos relativos a emendas apresentadas em anos anteriores.
O que muda
Pela legislação atual, cada parlamentar pode apresentar, anualmente, até R$ 15 milhões como complemento ao Orçamento da União. Contudo, não há obrigação legal de execução dessas verbas adicionais apresentadas por deputados e senadores. Pelo contrário, elas costumam ser o alvo preferencial da equipe econômica do governo quando há necessidade de cortes no Orçamento ao longo do ano.
O texto aprovado na comissão especial, e que seria votado hoje em plenário, estabelece que o governo fica obrigado a executar as emendas, isonomicamente entre os parlamentares (portanto, sem privilegiar este ou aquele partido), até o limite de 1% da receita corrente líquida verificada no ano anterior.
Em 2012, a receita corrente líquida da União foi de R$ 617 bilhões. Ou seja, hoje o governo seria obrigado a executar R$ 6,2 bilhões em emendas individuais, praticamente o mesmo valor que o Planalto decidiu liberar este ano para conter a insatisfação da base. No rateio igualitário entre os parlamentares, isso representaria R$ 10,4 milhões para cada deputado e senador.

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